Eugénio Lisboa: em louvor da vida

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Sou o editor da Guerra e Paz, Manuel S. Fonseca. Quero agradecer a vossa presença. É muito bom estarmos aqui juntos. Junta-nos a poesia, o que em toda a poesia há de mais humano, e juntam-nos os gatos e esse supremo amante de gatos que era Eugénio Lisboa.

Obrigado por terem vindo aqui, à Livraria da Travessa, prestar homenagem a um poeta, um poeta que, ao contrário do que diz o título de um célebre filme, não é um poeta morto, porque os poetas não sabem morrer.

Quero agradecer à Livraria da Travessa – que é linda e cheira a livros e à tinta dos livros – a forma como nos recebe num espaço e num modo que dignifica e pinta de beleza esta sessão e este livro vermelho – Manual Prático de Gatos para Uso Diário e Intenso. Obrigado, Fernanda Teodoro, pelo seu acolhimento.

Tenho e quero agradecer ao Luís Caetano por ter aceitado apresentar este livro.

Não sei muito bem como é que se apresenta alguém como o Luís Caetano. Não sei mesmo.

Vamos imaginar que nos deixamos levar pela força das coisas. É bem provável que a força das coisas nas faça desaguar no Luís Caetano: o Luís Caetano é, pois, a força das coisas.

Mas imaginemos que a nossa recusa das convenções nos impele à boémia e que, rebeldes à força das coisas, nos deixamos antes atrair pela ronda da noite: garanto-vos, também lá encontraremos o Luís Caetano.

Pela força das coisas e pela ronda da noite, o Luís Caetano tem agarrado na literatura, na sua irmã poesia, no seu irmão romance, e tem-lhes oferecido uma aventura dialogada, sussurrada, musicada.

Pesa nos ombros de Luís Caetano um rosário de assombrosos desabafos literários: Portugal deve ao Luís Caetano, horas de confissões íntimas, de autoras e autores, até de alguns editores, horas de prazer, as pequenas e grandes delícias, dulcíssimos abades de Priscos da literatura. Obrigado Luís, por estar connosco.

Neste Manual Prático de Gatos há dois textos lá bem no final.  Peço desculpa, mas neste livro o O de Onésimo e o O de Otília entrelaçam-se inseparáveis.

Este Manual Prático de Gatos é um livro de Eugénio Lisboa, mas com o consentimento adulto e muito gracioso de Eugénio Lisboa este livro é uma felina orgia que não dispensa a Otília Pires Martins e o Onésimo Teotónio de Almeida.

Desde o começo que o Eugénio quis que este fosse um livro habitado. Com imagens e seres vivos.

Está tudo explicado no posfácio do Onésimo, e como se fosse preciso, e não era, de tão bem explicado que o posfácio é, a Otília fez-nos o desenho, como se costuma dizer, mostrando umas 30 e picos fotografias de amáveis, austeros, nobilíssimos e ousados gatos que ilustram este livro. Ainda bem que o fez.

São participações de amor escolhidas e desejadas antes mesmo de que o Eugénio, a fonte de amor que foi o motor deste livro, “corresse pelas montanhas a esconder o rosto na multidão das estrelas”, como nesse ultrajantemente belo poema, “When You’re Old” escreveu um poeta irlandês de que nem é preciso dizer o nome.

Quero agradecer aos filhos de Eugénio Lisboa o consentimento para termos prosseguido com esta publicação. Agradeço os simpáticos emails enviados pela Eugénia Lisboa que não pode estar connosco.

E quero dizer obrigado ao João Lisboa que acompanhou a preparação desta edição e deste lançamento. Vamos ouvi-lo, no final, depois da apresentação do Luís Caetano.

O João falará do seu pai, certamente, mas também deste livro onde, afinal, o João também está, como personagem, de corpo inteiro, em romanesca e felina relação com a Ísis, com a Artemísia. Obrigado, João, por nos honrar com a sua presença.

E falta-me agora dar uma palavrinha ao meu autor. Publiquei, de Eugénio Lisboa um ensaio, Vamos Ler, Um Cânone para o Leitor Relutante, e quatro livros de poemas: Poemas em Tempo de Peste, Poemas em Tempo de Guerra Suja, Soneto: Modo de Usar e agora este Manual Prático de Gatos para Uso Diário e Intenso.

Eu podia, subindo acima da minha chinela, falar aqui do amor de Eugénio Lisboa à literatura, da sua, por vezes, acirrada visão crítica, da sua vontade de militantemente quer levar ao colo e ao prazer os leitores, aconselhando leituras como tão bem fez no seu Vamos Ler, resgatando autores, romances, novelas e contos do poço fundo do esquecimento.

Mas do que tenho mesmo vontade é de louvar aqui o seu amor à vida. Quando eu publiquei a minha Crónica de África, minha nostálgica deambulação pela infância e juventude que vivi tanto na Luanda colonial, como na Luanda independente, um incendiado amor a Moçambique e às memórias da sua Lourenço Marques, levou o Eugénio Lisboa a escrever-me o texto mais bonito que eu jamais pensei receber.

O Eugénio, nesse texto, apareceu-me, em carne viva, e trouxe-me, nas suas próprias memórias, a desenvergonhada alegria de uma felicíssima vivência.

Descobri, para minha surpresa, que alguém tinha sido tão feliz como eu, superando as apreensões, o desgosto conscientíssimo de vivermos numa sociedade que queríamos e desejávamos ardentemente mudar, e que já estávamos a mudar com a nossa forma de viver.

Não sei se conseguem imaginar a felicidade que é sabermos que alguém nos compreende numa questão tão sensível, quase controversa como é da felicidade em tempo e em cenário de guerra.

É impagável a felicidade que eu colhi desse texto. E outra coisa me fazia feliz: é que se Eugénio Lisboa me compreendia era também porque o meu livro lhe tinha dado um grão, pelo menos, da alegria que agora me devolvia no seu texto.

Vimo-mos e reconhecemo-nos como espelhos. Numa só coisa, e eu ia dizer pequenina e já estava a mentir, porque é gigantesca, discordámos.

Eu jurava no meu livro que o Liceu Salvador Correia era o mais belo liceu do mundo. Eugénio protestou com veemência, e disse que o mais belo era – e cito – “o Liceu que frequentei em Lourenço Marques – o Liceu desafortunadamente apelidado de Liceu Salazar”.

Podia hoje mentir e dar o dito por não dito, deixando ao Eugénio Lisboa a palma da vitória. Mas isso era não fazer justiça a quem nunca teve medo de dar a cara, como Eugénio Lisboa, mesmo pelas mais arriscadas verdades. O Liceu Salvador Correia, de Luanda, é o mais bonito liceu do mundo e eu sei que, rosto escondido entre a multidão das estrelas, o sorriso de Eugénio Lisboa me aprova.

Para Eugénio Lisboa, amante de poemas, de romances, do seu liceu de Lourença Marques, e de uma “vida que merecesse ser vivida” peço o vosso vigoroso aplauso.

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