Os meus livros de Setembro

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Que terra assombra de amor-ódio-culpa o imaginário do século XXI português? De onde vêm essas ondas de dor, de nostalgia, de sopro heróico e arrepio pusilânime, que se nos cravam no estômago e baixo-ventre? Dois belíssimos e chocantes romances – sim, romances de amor-ódio-culpa – respondem, e começam aqui os meus livros de Setembro: O Elogio da Dureza, romance cru, rijo como rocha, poético e intempestivo como Rimbaud, da autoria de Rui de Azevedo Teixeira, e Sublevações, romance de seis dilacerados e raivosos monólogos-trovão, de Filipe Súcia Fernandes, assustaram-me e comoveram-me: são trovões que vêm de Angola, com cenas de fúria que se nos espetam como punhais na nossa carne inocente e no raio dos nossos pecados. São muito boa literatura. Vêm das entranhas, não são para meninos ou meninas, são para mulheres e homens bravos, romances que fazem mais forte a forte gente. Repito: Elogio da Dureza, de Rui de Azevedo Teixeira e Sublevações, de Filipe Súcia Fernandes, dois romances diferentes, vestem-nos e despem-nos com fervor e furor, instinto assassino, o nosso incendiado passado colonial, a perplexidade e a amargura da derrota, da expulsão, um lençol de sexo e amor também. São feridas novíssimas e indeléveis abertas na literatura portuguesa. A ler já.

Literatura hoje consagrada é Os Grão-Capitães, de Jorge de Sena, que vem reforçar as Nova Edições de Jorge Sena, que Isabel de Sena me tem ajudado a fazer. Lê-lo ao mesmo tempo que se lêem os romances do parágrafo anterior mostra-nos o quanto Sena antecipou e percebeu das nossas angústias nacionais: Sena sabia já porque é que Capangala não responde. A melhor ficção portuguesa!

E vou parar aqui para deixar José Jorge Letria cantar: em Abril Também se Fez a CantarLetria conta-nos mais de 20 episódios do que foi, antes do 25 de Abril e depois, a emergência e a urgência das canções de intervenção e dos cantautores: estão lá todos e, claro, dorme meu menino, José Afonso, estrela d’alva, brilha.

A um sono profundo decidi arrancar Salazar. Decidi que devia ser Salazar a falar de si mesmo. Salazar, as Citações: Poder, Solidão, Amargura é o livro que dá a palavra ao ditador de meio século. Reuni o que disse Salazar, pus tudo por ordem cronológica e enquadrei, moi-même, Manuel S. Fonseca, as situações que o levaram a dizer o que disse. Deixar falar Salazar diz-nos mais sobre ele do que mil opiniões (de devotos ou de quem o abjure) : descubram-lhe ambições de juventude, o que pensava mesmo sobre os portugueses; descubram-lhe a inteligência financeira, o diplomata, o geo-estratega; descubram-lhe a insensibilidade que roçava a crueldade; entrem com ele, no fim, no quarto escuro da desilusão e do ressentimento. Lê-se como um romance: «Hão-de falar muito mal de mim» pressentiu ele.

Teria Salazar um pé no mal? Sobre o Bem escreveu Iris Murdoch. O seu A Soberania do Bem é um dos grandes livros de filosofia do século XX. Denso, desafiador, explica-nos por que razão o Bem não é uma escolha: o Bem é objectivo, o Bem existe, e é esse o eixo da ética de Murdoch, essa belíssima romancista irlandesa, que era também filósofa: um livro exigente, dos mais bonitos que já publiquei na colecção Os Livros Não se Rendem, de que a Fundação Manuel António da Mota e a Mota Gestão e Participações são parceiros generosos.

E vejamos, há um romancista novinho em folha a chegar a Portugal. Chama-se Pedro Gunnlaugur Garcia e é luso-islandês. O seu romance, Pulmões – exige fôlego, sim – venceu o Prémio Nacional de Literatura da Islândia. Comparado a Günther Grass e Gabriel Garcia Marquez, chega a Portugal, ao mesmo tempo que é publicado na França, Alemanha, Espanha, Brasil e México. A tradução é do Ivan Figueiras.

Outra surpresa é O Tribunal das Almas, romance de Fernando Paulouro das Neves, a começar pela personagem principal: eis que um remoto parente de Fernando Pessoa, Martinho Pessoa, é perseguido pela Inquisição e levado à fogueira no teatro divino do Santo Ofício. «Nesta condição em que estou, ainda sou um homem?» é a pergunta desse surpreendente, e em desoladoras chamas, Pessoa antes de Pessoa.

E antes de me deixar deslizar para as mais doces chamas do ócio, deixem que vos fale das duas chancelas, Crisântemo e Euforia, com que a Rita Fonseca quer descobrir outros caminhos marítimos para a Guerra e Paz.

 

Na Crisântemo, há um livro de estreia: Atenção na Era da Distracção, de Ana Vargas Santos. A autora é especializada em Psicologia Organizacional e escreveu um livro prático, seguro e utilíssimo com 18 ideias chave para ajudar o nosso corpo e o nosso cérebro a manterem-se «ligados»: afinal, a nossa vida depende da forma como agarramos e usamos a atenção no polvilhado mundo que nos cerca.

 

 

Na Euforia, chega um novo romance da saga do rancho Rebel Blue. Depois de Feita e Desfeita, a autora, Lyla Sage, oferece-nos A Lua e a Maré. Nos Estados Unidos é já um «national bestseller», um popularíssimo «best  book of 2024 so far», revelando a magia e a emoção do regresso a um mundo de natureza, cow-boys e cavalos, o mundo do rancho: mas será assim um mundo tão simples e «natural»? Quando se cavalgam sonhos para onde podemos ser arrastados: para tensões dolorosas ou para o mais transbordante dos romantismos? Descubram.

 

Manuel S. Fonseca, editor

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