E aqui estamos, no Inverno que não tem de ser o do nosso descontentamento, na penumbra do lento tempo que passa, olhos na doce proliferação das ervas e das infatigáveis e peregrinas águas, mais um livro na mão. Os meus livros de Fevereiro chegam com linhas de fogo, letras de lume.
Celebraremos os 80 anos do fim da II Guerra Mundial ao longo de 2025. Começamos por onde se deve começar, pelo começo. E o começo foi ditado na escura noite de 23 de Agosto de 1939, quando Hitler e Estaline, nazis e comunistas, assinaram um pacto. Oito dias depois Hitler sangrava a Polónia e logo a seguir os soviéticos retalhavam, braço dado com os nazis, essa nação independente. Porque é que Estaline não disse «não é não» a Hitler? Um livro, de Manuel S. Fonseca (confesso, sou eu), O Pacto Nazi-Soviético, oferece uma narrativa, perguntas, respostas, e todos os documentos, os públicos e os secretos, bem como os discursos de Hitler e de Estaline. Uma conclusão inescapável: esse pacto foi o tapete vermelho para a monstruosa guerra.
Noutro livro, do historiador Claude Quétel, Hitler, Verdades e Lendas, há respostas a 20 perguntas essenciais sobre a figura dantesca que gerou o maior horror do século XX: de onde vinha o seu ódio ao judeu (hoje, de novo, em voga), que vida privada tinha, e se poderia ter sido travada a sua ascensão?
Não é um livro de guerra, mas é de paixões. Na nossa colecção de Atlas Históricos, uma obra que é uma oração: Atlas das Religiões: Paixões identitárias e Questões Geopolíticas, de Frank Tétart: leia e veja, em mais de cem mapas, o nascimento do hinduísmo, judaísmo, cristianismo e do Islão. E como se expandiram e como hoje se misturam com a política, radicalismos e a guerra. Meu Deus, a que deus ou deuses precisaremos de rezar?
E tenho aqui na palma da mão três romances para amenizar, espero eu, a hostil floresta dos conflitos e da guerra. De Machado de Assis, recuperamos o tão irónico e dicotómico, fratricida ou talvez não, Esáu e Jacob. Há 16 anos sem uma nova edição entre nós, pintámos-lhe a capa de amarelo torrada: é boa, mas o miolo, de ressonâncias bíblicas, é muito melhor.
Já A Brigada da Culpa, a estreia de Rui Galiza, inventa um Portugal distópico e autocrático tomado por um movimento que impõe a «reparação história» e obriga a que todos e cada um assumam a culpa, a sua tão grande culpa. É ficção, e no entanto cheira aqui a um esturro que anda por aí a passar-nos pelo nariz.
Por fim, de João Nuno Azambuja, vencedor do Prémio UCCLA-Revelação Literária, chega Breviário da Vingança, uma digressão de conspiração, intriga e assassínios na Roma de Tibério, no caldo histórico em que irrompe uma tribo estranha de deserdados da vida: os primeiros cristãos. Aurínia, uma menina de 6 anos, é a chave oculta de uma trama com todas as regras do romance histórico.
Os testemunhos são como as criancinhas: deixem vir a nós todos os testemunhos. No que parecem histórias fugazes acaba sempre por estar o eterno drama humano. Todos ouviram falar de Gisèle Pelicot, a brava mulher que se resgatou do inferno da «culpa da vítima» devolvendo o vitupério ao criminoso, neste caso ao marido que a violou acolitado por um bando cobarde. E Deixei de te Chamar Papá é o testemunho de aço de Caroline Darian, a filha de Gisèle e desse pai tenebroso: não há perdão à face da terra que a faça aceitá-lo, sequer reconhecê-lo.
Os Labirintos Insondáveis do Suicídio, do jornalista Luís Henriques Antunes, com testemunhos das famílias, dos especialistas e de quem já passou por tentativas de suicídio, responde a esta pergunta: o que leva alguém a matar-se? Ou a esta tão dolorosa: o que sente a família de quem se matou?
Sete anos depois da 1.ª edição, relançamos o testemunho vibrante de Luís Osório, Mãe, Promete-me Que Lês, uma carta à própria mãe, um diálogo de uma franqueza que não teme a mais nua exposição.
E agora, deixem-me contar, e cantar de alegria, o nascimento de uma nova colecção. Chama-se A Minha Estante. É um risco? É. E grande.
Começamos com dois livros que são o espelho do que A Minha Estante será sempre: livros que nos respondem à pergunta «o que sabemos sobre isto?» e nos dão informação, conhecimento e síntese, tudo com ciência, elegância e sem violência, contrariando este tempo de triunfo de ignorante desinformação e mil «fake news».
Os livros têm capas de uma tão sóbria claridade que só me apetece dar-lhes beijos. Eis os primeiros dois títulos: História do Japão, de Michel Vié, que nos leva da cidade imperial à renovação Meiji; e As Guerras de Religião, de Nicholas Le Roux, relato das conspirações e massacres entre católicos e protestantes, no século XVI, guerra religiosa que assolou toda a Europa. O melhor é mesmo comprarem uma pequena estante: há mais livros A Minha Estante a chegar nos meses e anos que aí vêm.
São os meus onze livros de Fevereiro, para ler enquanto do céu cai a infatigável e persistente chuva.
Já a Rita Fonseca prossegue e persegue a saga dos novos cow-boys. Com Perdida e Atada, de Lyla Sage, a minha filha Rita foi instalar-se no Rancho Rebel Blue para assistir ao ódio à primeira vista da imparável Teddy e do consciencioso Gus. Já sabem como é que ódios à primeira vista acabam? Não estejam assim tão convencidos, sobretudo se surgirem cavalos, vacas, laços, pasto, e os suede fringe cow-boys jackets, que eu sempre quis usar quando era miúdo, em Luanda, e ia ver filmes ao Miramar. Já não se projectam filmes no Miramar? Então leiam, se faz favor, Perdida e Atada, e ofereçam-me um desses suede fringe cow-boys jackets, que o miúdo que ainda aqui me mora já merece.
Manuel S. Fonseca, editor