O editor da Guerra & Paz não se fica pela publicação dos livros dos seus autores, antes tem vindo a assinar vários volumes. A mais recente investigação de Manuel S. Fonseca é O Pacto Nazi-Soviético.
Nos últimos anos, Manuel S. Fonseca tem publicado vários livros de sai autoria; uns de carácter histórico, outros reveladores da sua proximidade com África, e vários em que escalpeliza as grandes tragédias políticas do século XX. Não escolhe os temas que investiga por acaso ou moda, antes devido aos seus interesses intelectuais, daí que considere que essa abrangência de assuntos resulte de uma das marcas da sua vida: «O ecletismo de quem tendo já estado ligado ao ensino, à história, produção de cinema e televisão, à crónica jornalística, e agora à edição de livros, se dedique a um conjunto de temas que vão da poesia à História, da Filosofia às religiões ou à economia.» Mas há um tema que o interessa particularmente: os totalitarismos. Justifica: «Não só pelos efeitos que produziram, com expansionismos que mudaram o mapa da Europa, da Ásia ou da África, mas também pela construção ideológica cerrada e dominadora da vida social, intelectual e privada das populações que submetem.»
A expressão desses interesses desembocaram no ensaio intitulado O Pacto Nazi-Soviético, que se segue a um outro sobre uma figura sempre polémica do século XX da nossa história: Salazar, As Citações: poder, solidão e amargura, mas também a um muito bem sucedido álbum, 25 de Abril – No Princípio era o Verbo, com ilustrações de Nuno Saraiva, e em anos anteriores uma trilogia sobre livros que marcaram o mundo: O Pequeno Livro Vermelho de Mao Tsé-Tung, o Manifesto Comunista de Marx e Engels e o Mein Kampf de Hitler, bem como um diagnóstico à Revolução de Outubro – Cronologia, Utopia e Crime, sobre os factos que antecederam o fim do czarismo e a convulsão que se seguiu na Rússia. A par dos mais históricos, Manuel S. Fonseca não deixou de retratar a sua vivência angolana em Crónica de África e no Pequeno Dicionário Caluanda, nem de recuperar a irreverência popular em O Pequeno Livro dos Grandes Insultos.
Tratado com pouco humor e nenhuma nostalgia é o caso deste O Pacto Nazi-Soviético. Explica a escrita do livro assim: «Em primeiro lugar, pelo intenso paralelismo que existe com a atual situação de brutal agressão à Ucrânia. Os mesmos eufemismos que nazis e soviéticos repetiram para estilhaçar e sangrar a Polónia estão novamente em cima da mesa, daquela imensa mesa com que Putin se protege no Kremlin. Em segundo lugar, pela ausência na edição portuguesa de uma síntese que mostrasse os documentos que são hoje totalmente indiscutíveis depois de décadas de subterfúgios e de negação dos soviéticos. É certo que Gorbachov e o Comité Central da URSS reconheceram tudo e penitenciaram-se, mesmo que tardiamente no reconhecimento desse crime.»
Manuel S. Fonseca considera este pacto como sendo um dos abraços mais cínicos da História e que ambos os líderes que o assinaram, Hitler e Estaline, sabiam estar condenado ao fracasso. Recorda: «A convicção dos dois, principalmente de Estaline, era a de que estavam a começar uma nova ordem mundial. Ou seja, viam o Pacto como um triunfo. Tanto era assim que a surpresa de Estaline quando Hitler roeu a corda – por megalomania – foi a de uma desolada deceção: só lhe faltou chorar. Estaline estava pronto a entrar como aliado no Eixo e essa proposta esteve mesmo em discussão entre as duas partes, ou seja, assinaram o Pacto para glória e não para o fracasso.»
Uma das vítimas imediatas do Pacto foi a Polónia, explica o autor: «Foi a primeira vítima sacrificial, mesmo que nos protocolos secretos a divisão da Europa fosse muito mais longe. Hitler deu aos soviéticos metade da Polónia como zona de influência e também a Finlândia e uma região da Roménia, a Bessarábia. Para os nazis, como para os soviéticos, o Pacto era a porta de conquista de mais espaço vital. Transportando para a atualidade, percebe-se porque a lição histórica do Pacto foi entendida pelos países europeus na última década, mesmo que mais por uns do que por outros. Daí que os países bálticos – Letónia, Estónia, Lituânia e Polónia – tenham vindo a aumentar os seus orçamentos de defesa. Além de que a Finlândia, tal como a Suécia, não hesitaram em aderir à NATO, pois conhecem bem as intenções do seu vizinho.»
Entre as várias afirmações que Manuel S. Fonseca regista neste livro está a de que «Hitler tinha Estaline no bolso». Pergunta-se se o Pacto foi uma armadilha bem preparada por Estaline? Responde: «O Pacto foi urdido por Ribbentrop, o ministro de Hitler, e muito desejado por Estaline. Não houve nenhuma armadilha, pelo contrário, foi tudo muito claro e Estaline deu costas quentes a Hitler a Leste para que as tropas nazis atacassem numa só frente: a Ocidente. Além de que Estaline alimentou toda a máquina de guerra nazi com matérias-primas essenciais. Em poucas palavras: Estaline deu luz verde à II Guerra Mundial. Em compensação, Hitler concedeu-lhe territórios e deixou as tropas soviéticas fazer várias ocupações de estados bálticos. Ou seja, Hitler e Estaline foram cúmplices, pois sabiam muito bem o crime que estavam a cometer e, por isso, esconderam os protocolos que assinaram, revelando apenas um texto anódino assinado na noite de 22 para 23 de agosto de 1939.»
Artigo de João Céu e Silva publicado originalmente no Diário de Notícias, em 30.03.2025.