O «meu» Houellebecq

O «meu» Houellebecq

Terá sido a palavra «pornografia» que me fez correr? Não sei bem como, mas consegui que Houellebecq me cedesse os direitos deste seu confessional Alguns Meses na Minha Vida. Sim, Houellebecq fala de pornografia, de como se filma: «As únicas actividades que podem ser de facto filmáveis são a masturbação e a felação. Isso é muito bom, mas está longe de ser tudo o que se deseja.»

Confesso eu também: o meu desejo por este livro vem da candura, inocência e franqueza com que o autor o escreve. Michel e a sua mulher fizeram, com uma jovem holandesa, «desejosa de foder um dos seus autores favoritos», um filme pornográfico. O autor queria que desse trio se soltasse uma «tripla corrente de empatia simultânea» que os levasse ao gozo físico extremo. Mas o filme descambou: o que podia correr mal correu muito mal, e tudo acabou em tribunal.

Este é o livro de um episódio sórdido e doloroso que a prosa e as ideias de Houellebecq resgatam, lavando o sexo de toda a culpa e descobrindo na pornografia dignidade e inocência.

Este é um livro sobre a beleza: de como Houellebecq prefere a pornografia, que consiga ser expressão sincera e honesta do desejo – do desejo pelo corpo de outros, do desejo de exibir o próprio corpo, do orgulho no sexo –, a Picasso e a Sade, que elege como símbolos da fealdade.

Queridos amigos, queridas amigas, não basta este «amuse-bouche» para correrem, como eu, a lê-lo? Então sim, sempre vos digo que o islamismo, a tensão islâmica, esse rumor subterrâneo que faz tremer a França é, ao lado da centralíssima cama, o segundo tópico de Alguns Meses na Minha Vida.

É o «meu» Houellebecq. Um pequeno Houellebecq. Será o melhor Houellebecq?

Manuel S. Fonseca, editor

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