Festa. Por ser agora, em Abril de 2024, que se festejam os 50 anos do dia em que uma acção militar revolucionária derrubou uma ditadura de 48 anos, a Guerra e Paz editores lança três livros de festa e em festa.
Passaram 50 anos. Há quem diga, com voz de militante seminarista, que «comemoramos» esse meio-século, mas a Guerra e Paz corrige: «comemoramos» é conversa de uma vetusta senhora sua tia (sua, deles, bem entendido): os 50 anos do 25 de Abril de 1974 têm de ser festejados. O 25 de Abril foi uma das mais impressionantes algazarras de liberdade, loucura, e inocente destrambelhamento colectivo que o modesto povo português já viveu.
O 25 de Abril foi catarse e foi delírio. Nesse dia, Portugal viveu um dos seus dias mais felizes, senão o mais feliz de todo o seu século XX. Num dia de amor à primeira vista, em que o povo beijou a boca dos seus soldados, e fez jardins de cravos na ponta das espingardas, de alguma forma exorcizando a céptica e inelutável máxima do ditador Mao Tsé-Tung, fomos restituídos à liberdade: liberdade de ler, de falar, de viajar até, liberdade de rompermos com uma imposta e impostora solidão, tão orgulhosa como patética. Um sobressaltado Salazar deu, nesse dia, uma desconfortável segunda volta no seu túmulo.
A liberdade chegou como uma inundação: as margens estreitas em que, direitinho, calado e virado para a frente, se encarreirava Portugal foram estilhaçadas.
A Guerra e Paz editores festeja os 50 anos dessa inundação com três livros. Reeditamos numa versão actualizada, mais de 25, mais de 50 alterações, na verdade quase mil, um livro de António Costa Santos: Antes do 25 de Abril Era Proibido. O absurdo das proibições do Estado Novo dissecado, lambido e exorcizado com rigor e humor por Costa (António C. Santos, diga-se), desde ser proibido beber coca-cola a ser proibido ser puta, ou melhor, meretriz ou rameira como então selectamente se dizia, até ser proibido estar num humilde banco de jardim de mão na mão, ou de mão naquilo ou com aquilo na mão, e muito menos com a língua naquilo. Eis, António Costa Santos em todo o seu esplendor.
E outro livro leva-nos ao Algarve: e esqueçam lá as férias na Quinta do Lago ou na Praia Verde, um ventinho de Sagres. Aqui, pela escrita do jornalista Ramiro Santos, somos levados de comício em comício, de ocupação em ocupação, Algarve fora, nesse 25 de Abril de há 50 anos, e ao longo desse escaldante PREC, vivemos o mais animado e transtornado Verão que o Algarve já viveu. O livro chama-se 50 Anos de Abril no Algarve e a boa prosa, evocativa, com governos a cair com estrondo, é de Ramiro Santos.
E eis o terceiro livro, 25 de Abril, No Princípio Era o Verbo. Numa associação espontânea e revolucionária (ah, pois) a prosa nostalgicamente marxista (sic) do pequeno Manuel S. Fonseca associa-se ao rabino talento pinta paredes do excelso ilustrador Nuno Saraiva, recriando a vertigem da noite de 24 e da manhã e tarde de 25 (Abril, está claro): neste livro estão – ilustradas, lustrosas! – as frases, os slogans, as pichagens, os delírios de ministros, militares, de soldados e freirinhas benza-as Deus.
De «Nem Mais um Soldado para as Colónias, Nem mais uma Freira para o Céu» até ao «Abaixo a Foice e o Martelo, Viva o Black and Decker», do «Abaixo os Organismos de Cúpula, vivam os Orgasmos de Cópula» até ao «Mortos Fora dos Cemitérios, a Terra a quem a Trabalha», do «Olhe que não sô tôr» de Álvaro Cunhal ao «Bardamerda para o Fascista» do Almirante Pinheiro de Azevedo, a liberdade do verbo, esse louco, desbragado, inebriante florescimento da palavra livre enche este livro.
A cores, dezenas de ilustrações, centenas de frases históricas, e um relato vivo, cheio de surpresas dessa madrugada de Depois do Adeus, que apanha Marcello Caetano de pijama e ministros em cuecas, 25 de Abril, No Princípio era o Verbo é o livro mais alegre que se possa imaginar, um livro em paz com o 25 de Abril. Recomenda-se mesmo a revolucionários reumáticos e a reaccionários obcecados.