– Que paralelismos podemos estabelecer entre a Luanda de 1996 — data da sua tese — e a Luanda actual?
Entre Luanda de 1996 e Luanda actual, não vislumbramos modificações sustentáveis, no que respeita à estabilização económica. O estado de crise em que nos encontramos desde os primeiros anos da pós-independência é permanente, persistente, não obstante alguns factos ilusórios de estabilidade e crescimento. Continuamos com um país em crise profunda a todos os níveis, a debater-se por resgatar os valores e a credibilidade perdidos, onde imperam a miséria e a opulência lado a lado, e que ainda não consegue dar condições de salubridade, segurança alimentar e instrução de qualidade, para a maioria da população; Um lugar onde há muito se perdeu a esperança e se convive com a anormalidade crónica de forma doentia; A vivenciar uma Crise que toca a todos, a pobres e ricos. Porque a economia subterrânea, que no limiar (a partir da década de 90) potenciou o surgimento de uma “Classe Estado” com poder económico, que germinou o que poderia ser uma classe empresarial forte, contém em si mesma o gene bloqueador, a longo prazo, do emergir dessa classe empresarial, capaz de impulsionar o crescimento e o desenvolvimento, concebido no conceito eurocêntrico do termo. De país com um sortido de exportações mais ou menos diversificado até 1975, Angola tornar-se-ia, na década de 90, um país mono exportador. As exportações passaram a limitar-se praticamente a três produtos – petróleo, diamantes e café –, dos quais o petróleo e seus derivados ocupam em média 90 % do valor das exportações. Não obstante os vários programas de substituição de importações e promoção de exportações, que falharam por inaptidão de um sector agrícola sustentável, que garantisse os inputs para uma indústria transformadora forte, visando diversificar a economia, Angola mantém-se com a vulnerabilidade de um país sob um regime de acumulação ”rentier”, assente na prospeção e exportação de petróleo.
Observa-se, na nossa economia, que o sector de exportação é muito pouco articulado com os restantes sectores produtivos, o que faz com que aquele seja tido como o «enclave» ao processo económico do país.
A existência de constrangimentos tecnológicos é notória, asfixiando a capacidade de absorção da força de trabalho disponível. Por outro lado, o potencial produtivo nacional é fraco, o que faz com que a procura de bens intermédios e de investimentos seja, invariavelmente, satisfeita por recurso ao mercado internacional. Que no contexto actual, de falta de divisas, tornou-se inoperante.
A falta de coerência sectorial não permite a criação de um sector de produção nacional forte.
O que se observa não é uma articulação económica sã entre os sectores da economia, mas sobretudo uma articulação administrativa que conduz a uma utilização improdutiva das receitas auferidas pelo sector petroleiro. Este aparece, não poucas vezes, a financiar projectos mal concebidos, megalómanos e sobre avaliados.
Verifica-se que todos os sectores da economia solicitam recursos petrolíferos para a solução de problemas meramente sociais, num país onde as estruturas administrativas estão sobrecarregadas e os orçamentos anuais são deficitários. A sensação que se tem é a de um país parado, adiado, a espera de soluções para a falta de cambiais e para a reposição das reservas do Estado, quer por via do endividamento externo, ou, quiçá, por via do retorno de capitais, voluntario ou coercivo, que foram delapidados nos corredores da economia subterrânea.
– Acha que a nova presidência de Angola terá maior sucesso no combate contra a economia não-oficial?
Sem dúvidas. Embora o processo seja longo e desafiante nota-se vontade política. Entenda-se que o combate não será contra a ENO no seu todo. O combate será contra aquela parte da ENO, a economia subterrânea e a paralela, que saqueou o país e bloqueia o desenvolvimento. O combate será pela emersão paulatina da outra parte da ENO, o sector informal, com medidas organizativas e educativas, conducentes a boas práticas de exercício das actividades económicas, nos lugares e condições de higiene e salubridade requeridos e regulamentados. As medidas em curso, sob o comando da nova presidência, são as possíveis. Diante do quadro político, económico, financeiro, jurídico, judicial e moral, pesado e disforme, encontrado. Neste momento há necessidade imperativa de resgatar a imagem do país perante o mundo, credores e avaliadores internacionais, com vista a garantir acordos de cooperação, financiamentos internacionais e apoios duradouros. Nesta senda o combate à corrupção e as medidas de valorização real e estabilização da moeda nacional, face ao dólar, bem como o resgate da autoridade do Estado, são sem dúvida as primeiras a tomar.
– O que falta fazer na moralização da sociedade angolana?
O principal problema do País é a corrosão do patriotismo, da moral e bons costumes e, do amor ao próximo. O que pressupõe como grande desafio, o resgate dos valores de cidadania. Na generalidade, o que observei enquanto cidadão e gestor público, impulsionou-me a escrever esta obra, na qual pretendi apresentar um ponto de vista do fenómeno, que obrigue os leitores a relacionarem, analisarem e reflectirem sobre as questões que levanto neste livro, à volta do que se pretende como desenvolvimento para África subsaariana. No caso, para Angola. No livro deixo a questão da responsabilidade pelo status quo em aberto, para provocar debate e reflexão. Todavia a questão coloca-se muito mais em saber o que foi e não quem foi o responsável. Já frisei em outras abordagens, e volto a repetir que a responsabilidade é colectiva. É dos angolanos. É de todos nós. Porque as causas da crise foram conjunturais. Por isso refiro na minha obra que o debate é mais profundo. A crise que vivemos tem raízes profundas. Não obstante parecer que Angola tenha registado uma animação económica de 2008 a 2012, a crise esteve sempre presente, escamoteada por medidas administrativas. Ela é consequência de um efeito dominó de factos históricos, contextos e interesses internacionais, um processo de descolonização mal concebido, políticas e programas económicos prosseguidos pelo estado angolano, que não resultaram, cenários de guerra civil, fuga massiva de quadros válidos, impreparação dos gestores públicos, inversão e perda de valores morais e cívicos, formação de uma identidade angolana atípica que permitiu presenciar, perpetrar, absorver, observar, beneficiar e aproveitar, passivamente, todos os actos ilegais e imorais, que convergiram para a situação de crise e desmoralização da sociedade.