E há depois, no exercício da língua, os momentos de êxtase. Na língua portuguesa também. Hoje, nesta Feira da Língua Portuguesa, deixem que vos recomende quatro livros que ajudaram a fundar a língua portuguesa, transportando-a a êxtases de construção frásica, à descoberta de associações entre palavras que criam novas imagens no nosso espírito.
Começo por estes Poemas Eróticos dos Cancioneiros Medievais Galaico-Portugueses. A organização é de Victor Correia e tem uma extraordinária vantagem para o leitor contemporâneo: os textos estão vertidos para o português que falamos, agora, no remanso dos nossos dias.
Convido-o depois a deambular por Lisboa, de taberna em taberna, com Maria Parda, essa mulher esmagada pela sede , que não consegue obter vinho fiado de nenhum taberneiro. O Pranto de Maria Parda, belíssimo, intenso, com uma mulher negra ou mestiça como invulgaríssima protagonista, é um texto, um monólogo, menos conhecido de Gil Vicente, secreta delícia, a que juntámos o mais conhecido Auto da Barca do Inferno.
E temos Os Lusíadas. Desafio-o a ver se é ou não a melhor edição que se publicou entre nós nos últimos anos. Edição cuidada, com o texto comentando em coluna paralela e não intrusiva, com os comentários de Helder Guégués.
Por fim, de Eça, oferecemos-vos Os Maias, que Jorge Luis Borges considerou com um grande romance, a par dos grandes romances que marcaram a viragem em que o século XIX vai já, por dissolução, anunciando o século XX.
Estes livros podem ser seus – por dois ou dez réis de mel coado. Se for por dez ainda leva consigo, e juro que não lhe cabe na algibeira, a nossa Tabacaria em caixa de madeira, o rolls-royce das nossas edições Guerra e Paz.