António Lobo Antunes

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Li Até que as pedras se tornem mais leves que a água e foi como se passasse por um lustral, e ao mesmo tempo muito ímpio, ritual de matança do porco, ritual preto, ritual branco, ritual em nome do pai, e em nome do filho.

O romance é, certamente, de António Lobo Antunes. Mas é também do leitor que eu sou. Atrevo-me a dizer que é todo meu: a minha África, a minha sanzala, os meus soldados portugueses que são tão bons como os melhores, a mesma quinta em que ajudei o meu pai a matar os porcos lá de casa. Só nunca tive essa volúvel, malcriada, egoísta, tão contemporânea e tão portuguesa Sua Excelência, que quem gosta de mim, gosta de mim.

E apeteceu-me fazê-lo ainda mais meu a este romance de título longo e personagens sufocadas. Fui-lhe, por isso, metendo coisas dentro e coisas ao lado: liberdades e atrevimentos de leitor. Digo-vos agora que o mal está feito: lembrei-me que, com este romance, passámos a ter duas bárbaras matanças do porco na nossa língua e nos nossos livros. Ao lado da de Lobo Antunes, podíamos pôr, como um vento frio de norte, a do penúltimo livro do Herberto Helder.

E dentro da matança de Lobo Antunes – “não foi o meu pai que eu matei, foram os tiros e a guerra, o gasóleo e o fogo”–, está ou cabe uma igual matança, à machadada, a do Apocalypse Now, Marlon Brando a soçobrar como um búfalo exangue, cachaço e focinho em sangue.

Lê-se este romance de pedras e água e é difícil não ter nos ouvidos a voz branda de António Lobo Antunes. Só a sua voz e um grande silêncio de Inverno à nossa volta: “Março não batia os caixilhos da janela aberta”. E muito menos Abril, neste romance de guerra, da nossa guerra colonial, romance de raças e herança das raças pretas e brancas que em nós se dilaceram, romance de amor doentio que só o ódio e a morte podem redimir.

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