Em memória de Jorge de Sena

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Faz hoje 40 anos. Jorge de Sena, uma das maiores figuras da literatura portuguesa do século XX – para muitos a primeira, a par de Fernando Pessoa, morreu com 58 anjos de idade. Tão cedo. Deixou-nos poemas, o extraordinário romance que é Sinais de Fogo, e o mais erótico texto da literatura portuguesa, este O Físico Prodigioso, que a Guerra e Paz publicou em edição única e rara, e de que, em homenagem, deixamos este excerto: 

«Os dias corriam festivos no castelo. Eram jogos, banquetes, passeios, caçadas, com aquelas centenas de homens, esquecidos de suas condições, e igualados nos mesmos prazeres e na mesma obediência, gozando as suas damas sem rivalidades, e eram bem uns dez para cada uma. A tudo ele presidia com Dona Urraca, venerado como um deus. E a multidão de homens e mulheres não se cansava de vê-lo aparecer e reaparecer nos braços dela, o que saudava com aclamações delirantes.
Foi quando ele começou a sentir dentro de si uma ansiedade que o imobilizava à janela dos aposentos, não sabendo se o frio que sentia estava nele ou era do Inverno que chegava. Ficava assim, olhando o céu mudar de cor, conforme as nuvens que havia, conforme a altura do sol, conforme o sol desaparecia. O azul, o alaranjado, o verde, o róseo, o branco, o pardacento, ou as mudanças em que se misturavam, ou, por estrias sucessivas, iam surgindo e apagando-se, e em tudo os olhos lhe ficavam presos até doerem, enquanto o mesmo frio o não largava. E também a chuva, que era agora frequente, e ele via cair em cataratas, ou em cordas grossas, ou em pingos cadenciados, ou em poalha fina que dançava no ar.
Só Dona Urraca, que vinha pôr-se a seu lado silenciosa, esperando que ele despertasse da melancolia, o retirava da sua contemplação. Abraçava-se então a ela e possuía-a em desejos súbitos e dolorosos,
de que emergia mais triste.»

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