Já tão perto dos 100 anos, Eugénio Lisboa deixou-nos

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Eugénio Lisboa venceu tantas barreiras. Que pena não ter também vencido a barreira dos 100 anos. Num dos sonetos do seu último livro, Eugénio Lisboa fez-nos, e fez-se, duas perguntas: «O infinito olhará o finito? / Que sentido faz o imenso universo / preocupar-se com terreno grito?» Mordaz e implacável, o último terceto do mesmo soneto, dava-nos a resposta: «Não será o infinito adverso / às pretensões daquilo que é pequeno, /tonto, obsceno e cheio de veneno?»

Tão perto dos 100 anos de poeta, escritor e ensaísta, Eugénio Lisboa deslargou-se: na manhã desta terça-feira, dia 9 de Abril, aos 93 anos. Lá, na nebulosa eternidade, irá batalhar, como o fez aqui, contra o «opaco», o «arrebicado», o  «complicado», isto é, contra o snobismo e contra a chatice.

Para Eugénio, senhor de uma escrita viva, cheia de amor pela literatura, mas também irreverente e sarcástica, o nosso obrigado. Obrigado pela capacidade de converter todos os que leram o seu Vamos Ler! Um Cânone para o Leitor Relutante, ao amor, sem reservas, à leitura. Foi esse livro que inaugurou a sua colaboração com a Guerra e Paz editores, em 2021. Um pequeno grande ensaio, provocador ao rejeitar pompa e circunstância, mas sedutor no convite ao prazer da leitura, ao encanto e à emoção.

É inevitável também recordarmos os três livros de poesia que publicou connosco. Primeiro Poemas em Tempo de Peste, em 2020, depois Poemas em Tempo de Guerra Suja, em 2022. Agora Soneto ­­– Modo de Usar chegou à rede livreira nacional há menos de uma semana. Disse ele: «A pandemia, a guerra e a minha idade confinaram‑me muito num espaço reduzido, obrigando-me a inventar recursos de entretenimento, que pudessem ter também outros usos. Passados os noventa, não faz sentido embarcar em projectos de longo curso. O soneto não é um projecto de longo curso, embora possa sê-lo de longo alcance e de produtiva dificuldade.»

Eugénio Lisboa partiu. Deixou-nos, há dias,  um sentido soneto, a que deu por título «Perder um Amigo»: «Quando nos morre um velho amigo, / seja ele um ser humano ou um bicho, / é como sairmos de um bom abrigo, / entregues apenas a um capricho.» Preparava-nos assim para o que agora sentimos, um bom amigo que nos deixa é mesmo um tremendo buraco no nosso caminho.

 

 

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