Em Angola, no dia da independência, um soldado português fica para trás. É esse o começo do romance de João Céu e Silva, romancista e jornalista. A Guerra e Paz editou-o em Junho de 2015. Muito bem recebido, voltamos agora a publicá-lo, com capa nova e reflectindo já os comentários elogiosos que recebeu.
A escritora Lídia Jorge, falando de Adeus África, disse: “Com uma agilidade narrativa muito particular, João Céu e Silva tem a capacidade de criar remorso e pena, e a melancolia profunda que sempre acompanham o fim das eras. De entre os mais recentes livros sobre a Guerra Colonial, Adeus África tornou-se indispensável.” Para Francisco José Viegas o mérito de João Céu e Silva é “ter a mão do diabo” e é isso que faz dele “um narrador que desperta toda a nossa curiosidade de leitores.” O cineasta António Pedro-Vasconcelos é muito claro: “pensei imediatamente que poderia dar um grande filme.”
Vale a pena ler um excerto:
“– A sorte de principiante deveu-se ao facto de sermos comandados por um oficial já batido nestas manobras militares, que montou uma operação de resposta perfeita e em menos de meia hora desbaratou a emboscada sem baixas do nosso lado, mas com uma razia no outro. Só eu dei cabo de uma dúzia deles com os meus tiros certeiros
e uma calma inesperada, fruto daquela sensação de tudo poder fazer que se manteve dentro de mim até ao fim dos meus dias em África.
Foi nessa primeira emboscada que Afonso descobriu em si o fascínio pela guerra. Por certo, se isso tivesse acontecido mais tarde, talvez pudesse ter refreado os instintos que uma arma bem afinada fizera vir ao de cima. Mas aquele cenário de violência logo à chegada, o sabor da primeira e arrasadora vitória propiciaram as condições necessárias para o combatente começar a tornar-se no que em pouco tempo havia de ser: uma precisa máquina de guerra.
– Dois dias depois, cruzámo-nos com um espectáculo de horror numa serração que parecia abandonada e não pude contrariar o meu destino.
Afonso contou que mais uma vez os pisteiros retrocederam na sua marcha avançada para informar que, seguindo por aquele caminho, iriam desembocar num conjunto de pequenas construções de madeira que pareciam suspeitas. Mesmo que não tivessem observado nenhum movimento em redor ou no seu interior, não podia haver certezas sobre o perigo que representariam porque tinham mantido alguma distância. Desta vez, o oficial escolheu os homens que não se tinham voluntariado na missão anterior. Queria experimentá-los e, por via da descrição que lhe fora feita pelos vigias, não esperava grande reacção no local. Tudo indicava que o lugar estaria abandonado desde as chacinas de dois meses atrás e que os colonos sobreviventes teriam procurado uma zona mais segura até poderem regressar sem medo de serem surpreendidos pelos que tinham matado os seus compatriotas. Se assim fosse, os soldados ainda virgens poderiam ganhar também alguma segurança no seu baptismo de guerra, como
já acontecera aos mais destemidos no anterior confronto.
– O que vimos naquela serração foi horrível. Depois de ve rificarem que não havia vivalma, vieram uns soldados chamar-nos para realizar a tarefa horrível de passarmos o dia a abrir uma vala comum para enterrar os civis mortos, de tantos que eram. A princípio obedecemos à ordem do oficial, a de voltar a recompor os corpos serrados. Não existia um único ser humano que estivesse com a cabeça, tronco e membros como nasceram e cresceram. Nem um!”
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