Os meus livros de Agosto

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Não tenho vergonha nenhuma: li muitos contos infantis. Eram, então, para os meus 6 ou 7 anos, mesmo depois, o que hoje é para mim o Houellebecq, que estou a traduzir e publicarei em Outubro – e depois conto como é que a Guerra e Paz se arranjou para conseguir um Houellebcq!

O que eu quero dizer é que os contos infantis, com o lobo mau a deglutir uma avozinha inteira, com os caçadores a rasgar a barriga ao lobo para de lá arrancarem, intacta, a avozinha, deviam soar-me tão transgressores como o que o meu Houellebecq nos conta neste livro sobre o filme pornográfico em que se enredou.

E não largo os contos infantis. Quem os conta é o Mário Carneiro, autor e jornalista televisivo. Chamou ao livro Uma Noite Descansada, Dez Contos Tradicionais Politicamente Correctos. Numa provocação às hostes censórias, o Mário à Branca de Neve e os Sete Anões chamou A Caucasiana e os Sete Reféns da Gravidade. E, seguindo esta linha de «limpa, lava, esfrega e põe a secar», o Mário Carneiro conta os dez contos que enfeitaram a nossa infância, no que, esperamos, nunca venha a ser o absurdo de reescrever assepticamente os livros do passado.

É lindo, é muito divertido e o livro ficou redondinho como a maçã que a Bruxa dá a comer à Bela Adormecida. Quem também quis dormir com a branquinha Bela Adormecida, que por acaso era prima dele, foi o protagonista que o brasileiro Aluíso Azevedo inventou para o seu O Mulato. Contemporâneo e rival de Machado de Assis, Aluísio, filho de portugueses criou em O Mulato um manifesto contra a escravatura e uma denúncia do preconceito racial. Como é que este romance, esse clássico que Jorge de Sena incensa, nunca tinha sido publicado em Portugal?

Outro brasileiro, menino de hoje, é A. E. Bueno. Ganhou, ex-aequo, o Prémio de Revelação Literária UCCLA-CM Lisboa. Publico o seu O Sentido Litoral, admirável estreia poética, tal como publico, do português Leonel Barbosa, a estreia em prosa, com apurado sentido narrativo, Breviário de Medo e Malícia, o outro vencedor do Prémio UCCLA, que será apresentado na Feira do Livro do Porto.

Já disse que estou a traduzir um livrinho polémico de Houellebecq, não disse? Ah, já, mas não disse, pois não,  que antes do Natal, o Rui de Azevedo Teixeira, comando, intelectual e romancista, autor de O Longo Braço do Passado, nos vai surpreender com um novo romance? Está dito e voltamos a falar em Outubro.

E o que diriam os velhos filósofos do livrinho de contos infantis do Mário Carneiro, que reescreve com humor os Três Porquinhos e a Carochinha e o João Ratão? O que diriam eles dos sentidos figurados, das hipérboles, das metáforas, dos eufemismos e, ai-jesus, das catacreses? O que sei é que, a mais de meio de A República, escrita em prosa argumentativa límpida, Platão desata a usar analogias e conta uma das mais belas histórias já escritas, a Alegoria da Caverna. Foi esse texto de grilhões, escuridão, humanos presos a cadeiras, com uma fogueira a lançar sombras sobre a parede de fundo da caverna, que eu agora isolei, dando-lhe autonomia e permitindo, aos que se assustam com a dimensão de A República, que possam ver como nasceu o pensamento humano e a caminhada do conhecimento: ali, nesse pequeno ovo que é a Alegoria da Caverna.

Outro filósofo, Roger Scruton, procuraria e certamente reconheceria nos contos infantis, o que é o centro deste seu livro que, esgotadíssimo, reedito em nova versão: Beleza. Leiam, pelas alminhas, leiam, Beleza, Uma Muito Breve Introdução e descubram que a inspiradora beleza também pode ser perturbante, perigosa e até imoral. Pode? Não, deve!

 

 

Manuel S. Fonseca, editor

 

 

 

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