Hoje, trago-vos, cinco clássicos das literaturas de língua portuguesa. No caso a portuguesa e a brasileira.
O que faria eu se estivesse nos sapatos dos leitores da Guerra e Paz? É simples, lia-os todos. Com garantia de divertimento e de que, em todos, encontrarão situações deliciosas. Comecem por Gil Vicente. Já todos leram o Auto da Barca do Inferno, bem sei. Mas quem leu este Pranto de Maria Parda. E quem é essa mulher que vem do século XVO, percorrendo Lisboa como nós, em confinamento, agora não a percorremos? É negra, mestiça? Sabemos só pela sua fala, pela sua voz – e que voz popular, Gil Vicente lhe emprestou! – que precisa de beber vinho e que nenhuma tasca ou taberna lhe dá vinho fiado. Que difícil era beber vinho em Lisboa. E que riqueza há na voz sedenta de Maria Parda.
E voltem-me pelas alminhas a ler Os Lusíadas – este Os Lusíadas que Helder Guégués anotou estrofe a estrofe, tornando-o mais acessível sem mexer numa vírgula do texto integral. Vejam bem a arrumação do texto central e das anotações em coluna ao lado, sem interferir. Um belo trabalho conjunto de Guégués e do meu designer, o Ilídio Vasco. Tenham lá paciência, mas esta edição contemporânea é de uma beleza e de uma utilidade que mais nos arrastam a ir a correr pelas estrofes eróticas do celebrado canto IX do meu tempo de liceu. Li e voltei a corar até à ponta dos cabelos.
E convido-vos a reflectirem com Camilo sobre O Que Fazem Mulheres. Esta história de um equívoco – só um? – além da trama e exuberância camiliana tem, neste livro um tratamento gráfico único na história da edição portuguesa. Camilo inventou um capítulo que o leitor pode pôr onde quer. A Guerra e Paz fez-lhe a vontade. Camilo escreveu cinco páginas que o leitor não deve ler, pois nós escondemos essas cinco páginas. Não há outro livro assim com um capítulo nómada e um cinco páginas clandestinas. Descubra com os seus próprios olhos.
Os dois livros brasileiros são de Machado de Assis, príncipe da nossa língua e da narrativa romances. As Memórias Póstumas de Brás Cubas, um oásis de ironia cáustica, é talvez o primeiro romance a ser narrado por um morto. Machado antecipou-se largamente a Hollywood e ao maravilhoso Sunset Boulevard de Billy Wilder.
E, por fim, leiam O Alienista, e conheçam o Dr. Bacamarte, que casa com Dona Evarista, nem bela, nem gentil, para que lhe dê filhos vigorosos, musculados e com a inteligente vivacidade de um Einstein. Vai dar-se bem? Leiam, mas façam-me um favor, não o convidem a visitar-nos nestes tempos de reclusão. Descubram o que ele fez ao povo de Itaguaí e digam-me se nós merecemos tal sorte.
São cinco livros, por dois tostões de mel coado cada um: correm por eles os nossos olhos como a corça por prado verdejante.