O erotismo visível de O FÍSICO PRODIGIOSO

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Hoje, ao fim da tarde, no Palácio do Egipto, mesmo no centro histórico de Oeiras, há Poesia com Chá. Leitura de José Baião, com participação especial de José Proença de Carvalho, e acompanhamento em flauta transversal de … Vai ler-se Jorge de Sena e o a sessão é feita com o mote “Sinais de Transformação”. 

E nós, na Guerra e Paz editores não conseguimos deixar de falar da transformação que a pintura de Mariana Viana opera na novela de Sena, O FÍSICO PRODIGIOSO. Atrevemo-nos a dizer que abrir este livro é já um acto poético. Leia-se, por exemplo, este extraordinário excerto sobre visibilidade e virgindade.

“Espreguiçando-se, abriu os olhos. A primeira coisa que viu foi o dossel do leito. E, instintivamente, levou a mão à cabeça. Estava sem gorro. Sentou-se assustado. Olhou em volta. Dona Urraca havia desaparecido. Levantou-se aflito, e uma tontura fê-lo cair sentado na borda do leito. A sua aflição cresceu mais. Tentou levantar-se outra
vez, e a tontura passara. Vestiu-se apressadamente. E, então, num desespero, revolveu as roupas do leito, o grande armário que viu a um canto, tudo. Até que se lembrou do oratório, cujas largas portas estavam fechadas, com apenas as candeias quase queimadas de cada lado, nos altos castiçais. Abriu-as. E já estendia a mão para o gorro pousado aos pés das imagens, quando um riso o fez voltar-se.
Dona Urraca estava por trás dele, e disse:
— O teu gorro, mais que o teu sangue, foi milagre dos santos a quem tanto rezei. Com ele, eras invisível. E, sendo assim invisível o mesmo homem que visível era um espanto de formosura, só tu podias curar-me dos meus males. Eras formoso e virgem, segundo as minhas donzelas me disseram. Que eras um físico prodigioso, por força do
teu sangue virgem, tu o tinhas dito e o provaste. Mas o que me curou foi poder amar-te sem te ver, sendo tu o mesmo corpo maravilhoso que eu tinha visto e que nunca é tão maravilhoso quanto se imagina que poderá ser. Invisível, foste muito mais que tudo o que, visível, me prometias. Agora, és meu, e nunca me cansarei de ti. Porque, quando quisermos, quando temermos que eu ver-te nos canse um do outro, pois que os gestos do amor são sempre os mesmos, e só o prazer o não é se o não virmos como um corpo que se move para tê-lo e dá-lo, sempre poderei não ver-te, para poder ver-te, na minha alma e no fundo do meu corpo a que por graça do teu atinges, como eras e foste no momento em que, invisível, deixaste de ser virgem em mim. Sim, eu sei que o eras, tive disso a prova que não engana. Com toda a tua ciência, tu não sabias acertar o teu desejo e o meu, com os teus movimentos e a ocasião. Se não foras virgem, mas nunca tivesses desejado de verdade, ou nunca tivesses desejado mais nada ou ninguém que a ti mesmo, tu saberias acertar tudo, como se eu não existisse.”

Numa edição rara, é um pecado contra a fé erótica não ler este O Físico Prodigioso, num encontro de um autor consagrado com a pintora Mariana Viana.

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