Os meus livros de Fevereiro

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Nos meus dez livros de Fevereiro, há um que ainda é mais meu do que os outros. O meu livro, mesmo meu, chama-se Crónica de África. A minha crónica de África – my way.

Nos meus dez livros de Fevereiro, cinco são romances, muito mais romances do que o meu, que, não o sendo bem, poderia dar um romance, de tanto se dizer que a minha vida dava um romance. Romance é o livro de James Joyce, Retrato do Artista quando Jovem, história de Stephen Dedalus, alter-ego do autor, adolescente debruçado sobre o seu baixo-ventre, a descobrir e libertar uma sexualidade que os jesuítas irlandeses não o deixavam apalpar.

Romance é Liliputine, livro em que Ernesto Rodrigues reinventa o romance-reportagem, fazendo a sua personagem seguir os passos dramáticos de avós e pais, desde a invasão soviética da Hungria e da primaveril Praga, até afrontar, agora, o liliputinesco ditador.

Romance é Filhas do Vento, da estreante Fátima Moura da Silva, périplo doloroso, primeiro, tão feminino, depois, que começa na Guerra Civil de Espanha e termina na busca de identidade de uma filha de cinco – são mesmo cinco – mães.

Romance é essa clamorosa e cáustica denúncia do Império Britânico que um audacioso George Orwell fez no seu primeiro romance regado a tanto ginbrandy e whisky. O romance chama-se Os Dias da Birmânia, porque uma das minhas editoras, o meu tradutor e a minha revisora não me deixaram chamar-lhe, como sempre gostei, Os Dias de Burma.

Era Uma Vez Tudo é mais do que um romance, são dez romances, os romances das dez personagens, cada uma delas a querer ser mais romancista do que a outra, a começar num intersexo ucraniano que quer emular Clarice Lispector. Ao Era Uma Vez Tudo, com uma alegria e humor que até me dá raiva não ter, escreveu-o Paulo Nogueira, o mais português dos escritores brasileiros. O meu amigo Paulo: na escrita dele há sempre alguém que entorna um martini no decote.

Meu amigo também é José Jorge Letria: em mais um livro do «fio da memória», se transcreve o vivo diálogo dele com Gabriela Canavilhas, que leva por título Gabriela Canavilhas: A Política como Palco de Decisão. É dela este livro em que se contam – e em fotografias se ilustram – as aventuras da sua vida artística e política.

E o meu livro, o meu livro? Se tivesse mapas podia ser quase um atlas, o Atlas de Luanda, do Sambilas e da Vila Alice, o mapa das jukeboxes da Ilha de Nossa Senhora do Cabo. Mas o meu livro não tem mapas. Quem mapas tem é o Atlas da Primeira Guerra Mundial: o atlas em que caem como tordos os impérios europeus, o mais tonitruante «Atlas» da nossa tão boa colecção deles.

Não é em verso o meu livro, que eu não sei rimar. Rimam sim 80 poetas portugueses, da Idade Média ao século XX, escrevendo as mais lindas obscenidades sobre a animadíssima vida, por cima e por baixo dos lençóis, de frades com freiras, freiras com padres, freiras com freiras e frades com frades. Victor Correia organizou-o e o livro chama-se Poemas Eróticos sobre Frades, Freiras e Padres nos Clássicos da Literatura Portuguesa.

Outro poeta, João Moita, traduziu, de Paul Verlaine, as Romanças sem Palavras. Como é que Verlaine, poeta tão feio, pôde encostar o ombro e passar a irónica mão por tanta beleza? Pode um livro de poemas ser uma comovente autobiografia? Pode! Foi o que se quis dizer no prefácio, que eu mesmo assino.

Mas meu, meu, é mesmo esta Crónica de África, livro narcisista com foto minha, quase de bibe, na capa. É um livrinho em três actos, infância, adolescência e independência. Livro de fim de império, aqui se contam, com espanto e reverência, as coisas que desfilaram pelos meus olhos míopes: chimpanzés a beber coca-colas, indolentes caranguejos em fuga, idealistas a correr desenfreados para assistir a tiroteios. O meu amigo Pedro Norton prefaciou-o: quem, senão um amigo, aceitaria passar por tal provação?!
 
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Manuel S. Fonseca, editor

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