Os meus livros de Outubro

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Os meus olhos vêem mal ao longe, mas bem ao perto. Ao perto, quase apalpam, o que já não é bem deste tempo e, afinal, também não interessa, porque nenhum dos meus dez livros de Outubro é invisível.

Olhos a faiscar sobre o planeta, vemos todos as alterações climáticas, calor ardente, água escassa ou torrencial. Steven Koonin, físico, subsecretário da administração Obama, não as vê, às alterações climáticas, como nós. Escreveu A Ciência do Clima – O Que a Ciência Nos Diz, o Que não Diz e o Que Isso Interessa, livro de que Carlos Fiolhais fez a revisão científica. Este livro, com os infatigáveis olhos da ciência, não diz o que os políticos e os jornais dizem. Os gritos, os clamores de alarme nunca ajudaram a ver bem: este livro, visível e sério, ajuda.

Invisível foi o que um médico muçulmano conseguiu que uma rapariga judia fosse: fez esse milagre nas barbas da Gestapo, na Berlim de Hitler, e salvou-a. A ela e a mais judeus. Ronen Steinke dá visibilidade e drama a essa história real em O Muçulmano e a Judia. Eis o que neste livro vemos: a história de judeus e muçulmanos é tudo menos maniqueísta e unilateral.

Poucos anos depois, os nazis foram vencidos e não é que Hitler parecia que se tinha tornado invisível! Os ingleses mandaram Hugh Trevor-Roper a Berlim e, em poucos meses, ele foi o primeiro a descobrir o que lhe acontecera, se tinha ou não morrido e como. Escreveu um clássico da investigação, Os Últimos Dias de Hitler. Como é que esse livro, quase um policial, e, em absoluto, fascinante, traduzido em todo o mundo, nunca foi publicado em Portugal? A minha Guerra e Paz, na colecção Os Livros Não se Rendem, torna-o, agora, visível.

Invisíveis é o que nunca são os filhos. São bem sonoros, choram, riem, e é da cacofónica algazarra deles que o médico Sérgio Neves faz a matéria do seu O Pediatra e Eu: pais aflitos encontrarão neste livrinho prático a consolação que um leitor exaltado encontra em Camões ou Shakespeare.

O que os meus leitores ainda não estão a ver bem é o que aí vem no perfeito romance a que Rita Cruz chamou A Menina Invisível. O que descobriu, cada um de nós, aos 11 anos? Alice, a heroína deste livro, descobre como se pode tornar invisível. Pode até viajar dentro dos olhos de Pedrinho, o menino que a salvou. Rita Cruz é, ainda, uma escritora invisível: com este romance, enche a literatura portuguesa de emoção, com uma naturalidade sem fanfarra, só ao alcance de uma grande e muito visível escritora. E digo isto, sabendo que, no mesmo dia, publico, de Stefan Zweig, uma novíssima tradução de Uma História de Xadrez, o romance que ele entregou ao editor na tarde que antecedeu a noite do seu suicídio, cansado de um mundo em que, pensava, iria prevalecer o nazismo, a tortura, a morte da civilização, temas visíveis nesse pequeno e soberbo romance.

A 11 de Outubro, os seis livros de que falei estarão nas livrarias. Alguns dias depois, a 25 de Outubro, vão nascer mais quatro livros da Guerra e Paz.

E começo por um romance policial, Querubim, o Filho da Puta. O autor deste thriller é António Garcia Barreto e o que sei ser invisível é o que Malvina Bleck, hospedeira de bordo, transporta na omnipresente mala preta. O que será? João dos Passos, o Querubim, também não sabe, mas apaixonou-se por ela: hão-de viver de sexo, silêncios e mistérios.

E deixem-me falar dos Beatles. Não sei se os Beatles, quando passaram por Vilamoura, vieram a Tavira, mas Cristina Baptista faz um belo retrato da cidade, em Tavira  O Porto Seguro, álbum de grande visibilidade (27 por 27 centímetros) e uma tonelada de prodigiosas fotografias: visibilidade garantida de um «beau livre». Ou livro de arte, como corrijo para que perdoem o meu francês.

Mas, afinal, o que sei dos Beatles? Sei que vou publicar o melhor livro que já se escreveu sobre eles. Jura-o John Lennon e atesta-o a indesmentível bíblia que é a Rolling StoneLove Me Do! A Ascensão dos Beatles, de Michael Braun, é uma preciosidade: o autor viveu meses com os Beatles, acompanhou as primeiras tournées, Inglaterra, Paris, Estados Unidos: «mostrou, o que nós éramos, uns bastardos», afirmou Lennon. Ou seja, é um livro escaldante, genuíno. Visivelmente, é daí que nasce a grande ternura, digo eu, que tantas vezes chorei a ouvir Lucy in the Sky With Diamonds.

Chorei? Se chorei, acabo o mês a rir-me. Tenho na mão um volume invulgar. O investigador da Universidade do Minho, Abílio Almeida, atreveu-se a escrever A História do Riso. Da Antiguidade Clássica à actualidade, de Platão a Nietzsche, passando pela rádio, cinema, televisão. O riso será um pecado? Ou será um visível e sonoramente repetido prazer carnal? E Jesus Cristo, riu-se algum dia ou nunca se riu? Será o riso de Jesus Cristo invisível?

São os meus dez livros de Outubro. Olhem para as capas. Por favor, vejam-nas bem: nenhum livro deve ficar invisível.

Manuel S. Fonseca, editor

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