Pedro Norton, um autor da Guerra e Paz

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Estava a ver a lista dos autores da Guerra e Paz e descobri um clamoroso erro. Reparo já essa injustiça: não consta, como devia constar, o nome de Pedro Norton. Ora sem Pedro Norton, a nossa esgotadíssima edição de Fernando Pessoa, “As Flores do Mal: absinto, ópio, tabaco e outros fumos” ou a nossa edição de “Tabacaria” em cinco línguas, seriam menos de metade daquilo que são.

Lembro que esses dois livros são edições limitadas e numeradas, ambas com capas em madeira, num desarrincanço imaginativo do meu designer gráfico, o Ilídio Vasco. Depois, no miolo, as fotografias de Pedro Norton são, no caso, de “Flores do Mal”, provocatórias, perversas, roçando-se numa decadência pungente que, imagino, atrai e repugna ao próprio fotógrafo e artista, sendo nessa brecha, nesse dilema entre a pureza perdida e a maldade assumida, que a nós, seus espectadores, nos dá prazer entretermo-nos a caçá-lo e a admirá-lo. Entretemo-nos a caçar o fotógrafo que ele é, bem entendido, mas caçamos também a conversa que as fotografias estabelecem com os textos de Fernando Pessoa, ou a forma como lhes viram as costas.

 Já na “Tabacaria”, o Pedro Norton rouba-nos esse divertimento e entretém-se ele a caçar a realidade da baixa pombalina onde Pessoa, ou Álvaro de Campos por Pessoa, terá escrito o poema que dá título a este livro. Norton, nesse caso, caça a realidade com uma rede difusa e a realidade, que é como a sardinha, não gosta de ser apanhada na rede e mexe-se muito. São os fugazes traços dessa agitação que, por vezes a descambar para a abstracção, se fixam nas fotografias, o que nos mostra como a realidade é, em boa verdade, lixada: está sempre em fuga, a uma velocidade de corredor jamaicano dos 100 metros, e é de uma luminosidade flashante (porventura flechante, também), toda feita de brilhos, pequeninos relâmpagos como pequeninos avecês nocturnos.

É por tudo isto que da “As Flores do Mal” de capa em madeira já não temos nem um exemplar e os que andam nos coleccionadores já se vendem a 500 euros. E é por isto que temos uma pequena lista de espera para os exemplares da “Tabacaria” que ainda nos vão chegando de devoluções de livrarias.

O que me leva a expressar um desejo e a dar-vos um conselho. Primeiro, o conselho: é da mesma família rara esta edição de “O Físico Prodigioso“, a ouro e pintura de Mariana Viana, que agora chega às livrarias. O melhor é comprarem já.

E agora, o meu desejo: quero muito juntar dois dos meus autores preferidos, o Pedro Norton e a Eugénia de Vasconcellos, numa edição sobre uma dos meus fantasmas, a Marilyn. Eles já sabem, mas mesmo que não soubessem não teriam como tirar o rabo do fogo. Quero uma edição ardente. Prometo que me deixo arder também.

Manuel S. Fonseca

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