Hoje, quem escreve aqui, neste blog da Guerra e Paz, não sou eu, o editor, é a Joana Emídio Marques, autora de Sou dos Anos 80: Não tenho Medo de Nada. Como viveu a geração que cresceu nos anos 80? Gostou de que canções, de que bolachas? Como é possível ter-se sobrevivido a comer toneladas de Tulicreme? E a ver os desenhos animados russos e checos de Vasco Granja?E a andar-se de sandálias de plástico, vulgo peixe-aranha?
Foi a esse livro – caverna de Ali-Babá cheia de tesourinhos – que fui roubar dois excertos que nos levam a um passado delicioso e nostálgico, capaz de nos deixar de boca aberta. Bora lá, entrem neste livro: é como se entrassem numa máquina do tempo. A Joana Emídio Marque vai ao comando:
«A Tucha era a boneca mais emancipada dos anos 80. Antes de chegarem as famosas Barbies, que hoje tantas polémicas causam, nós tivemos a Tucha. Igualmente magra, de pernas torneadas, cintura fina, faces coradas de blush e vestida com a última moda.
Ao contrário das bonecas tradicionais, nada nela impelia a brincar às mamãs ou às donas de casa. A Tucha era como as actrizes dos filmes e das telenovelas brasileiras: bonita, ágil e sofisticada.
E nem aquele puritanismo de esquerda se atreveu a pôr-lhe o anátema da futilidade como fizeram com a sua sucessora, a Barbie, ou com os livros da Anita.
A Tucha tinha ainda outra preciosidade: os kits (que se compravam à parte) de roupas novas e mobiliário para tornar a sua vida, e a nossa, mais emocionante. Como a cabeça era de encaixar e desencaixar no corpo, sempre que nos fartávamos da nossa Tucha morena e de cabelos longos, pedíamos a uma amiga que tivesse uma loura de cabelo curto, trocávamos-lhes as cabeças et voilà… tínhamos uma boneca nova.
É provável que nenhuma associação feminista lhe atribua uma comenda, mas, se há figura que contribuiu para a emancipação futura das miúdas da geração de 80, foi a inolvidável Tucha.»
E dez páginas mais à frente, lá está a autora de gelado na mão:
«Inicialmente só havia gelados da Olá, depois apareceram os Camy da Nestlé, que nunca destronaram a Olá. Havia lá coisa melhor que um Perna de Pau, um Epá, um Krisspi ou um Fizz Limão?
O aparecimento dos Fá (um tubo de plástico comprido com líquido colorido que se punha no congelador e depois chupávamos) veio trazer uma excitação extra às tardes de Verão. Na verdade, era quase mais cool ir para a rua a chupar um Fá do que a comer um gelado.
Se os refrescos com aditivos causassem tantas doenças como hoje se apregoa, nós, que crescemos nos anos 80 a beber Tang, Pepsi, Laranjada, já tínhamos certamente morrido todos.
Na verdade, éramos tão saltitantes e espevitados que estávamos sempre magros e de costelas à mostra. Nenhum açúcar resistia à turbulência dos nossos dias.
A roupa de Verão trazia a mesma liberdade displicente das férias. Calções, t-shirts, sandálias, vestidos curtos e leves. O prazer de ter, enfim, as pernas nuas, de sentir o sol e o vento na pele.»
Já disse que este livro, tendo ao comando a Joana Emídio Marques, tem um trabalho fotográfico e gráfico de “UAU”, de “Que Espectáculo”, muitíssimo bem paginado pelo Ilídio Vasco, designer gráfico que é o coração da Guerra e Paz? Está dito!
E digo mais. Este é um livro escrito com vivacidade e com uma nostagia que se bifurca entre o sonho (Ah, quero de volta essa infância!) e o pesadelo (Oh, eu não acredito que gostei destes horror!), mas é sobretudo um livro que nos prepara para não termos medo de nos rirmos de nós mesmos… Se eu nasci nos anos 80? Ahh… não, mas gostava!