Entrevista: Rui de Azevedo Teixeira responde ao editor

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Rui de Azevedo Teixeira, autor de O Imenso, Sereno e Doce Rio, responde a três perguntas do editor Manuel S. Fonseca

 

MSF: Neste teu O Imenso, Sereno e Doce Rio, como já acontecia no teu Longo Braço do Passado, a infidelidade, essa irresistível e surda atracção pelo amor interdito, é o combustível da tua escrita: quer isso dizer que toda a ficção, toda a literatura é e será sempre um mergulho no abismo da infidelidade, como se a literatura fosse a borboleta que é atraída irresistivelmente pelo fogo devorador?

 

Rui A. Teixeira: A infidelidade cria um desequilíbrio no normal acontecer da vida e é desse desequilíbrio que os acontecimentos se sucedem e a história surge. Nesse sentido tem, à partida, maior potencial literário do que o “equilíbrio”, o “normal”. Mas faço uma distinção essencial entre infidelidade e deslealdade: posso compreender, e até defender, o infiel; nunca o desleal. O meu protagonista Paulo de Trava Lobo, considera-se um “monógamo incompleto”, é infiel, mas só quando está a viver longe de Iza, a sua mulher, o seu amor. Contudo, nunca lhe é desleal, nunca a apouca em conversa com as suas paixões, a anticomunista búlgara Diana Sotirova, de O Longo Braço do Passado, e a comunista portuguesa Ana de Jesus Roriz, de O Imenso, Sereno e Doce Rio. Ao contrário de Diana e de Ana em relação aos maridos/companheiros, Paulo nunca diz mal de Iza, chega até a sacralizá-la. Nunca a atraiçoa. Recordo que o contrário da traição não é a fidelidade, mas a lealdade. A minha experiência diz-me que os homens são mais infiéis e as mulheres mais desleais. Enfim, apesar de um persistente bovarismo, nem sempre o romance é essa “borboleta atraída irresistivelmente pelo fogo devorador” do abismo.

 

 

MSF: Há sempre um rumor de violência nos teus romances, como se as instáveis placas tectónicas mais tarde ou mais cedo tivessem de sacudir o peso do mundo e dar de si. Neste O Imenso, Sereno e Doce Rio é a tua personagem feminina, Ana Roriz, que traz dentro de si, o turbulento leito desse potencial terramoto. Isso é um reconhecimento do sinal dos tempos, o de uma certa emasculação do típico e velho herói masculino?

 

Rui A. Teixeira: Sim, Ana, tal como Diana, pode ser violenta. É forte, mas também se desdobra em frágil. Dura e doce. É “adaptativa”, chora. Diria que é uma “mulher total”! Mas Iza, apesar do seu ar etéreo e hipocondria, é que é verdadeiramente coriácea. Antes de conhecer Paulo, teve dolorosíssimas cesuras na vida: na adolescência, a morte do Pai nos seus braços de “menina do papá” e, na primeira idade adulta, a perigosa fuga de Moçambique com a mãe, deixando tudo para trás, recomeçando do zero. É, na verdade, até mais dura do que Paulo, que por sua vez, pode ser até brutal com Ana. Apesar de professor em faculdades de Letras, de esmagadoras maiorias femininas, Paulo não se deixa emascular, o que o torna alvo – nos dois sentidos da palavra – quer de feministas quer de “malmaridadas”. O seu herói da adolescência foi “the american classic hero”, solitário, duro como as pedras, silencioso, a beirar o autismo. Mais tarde substitui o americano pelo português de Quinhentos, do qual, aliás, veio a conhecer ainda alguns da mesma têmpera em militares da dita Guerra Colonial.

 

MSF: Ainda mais do que no teu O Longo Braço do Passado que era um rio tumultuoso de trama, com mil incidentes, neste teu O Imenso, Sereno e Doce Rio a “pura literatura”, o prazer afrodisíaco da metáfora e da metonímia, despe e veste com uma frequência inusitada a tua escrita. És, por fim, ao terceiro romance, um escritor pacificado, a flutuar no tranquilo lago da grande literatura?

 

Rui A. Teixeira:  Sim, “pacificado” no fim da saga de Paulo de Trava Lobo no Portugal da segunda metade do século XX, com o Império e, ainda, a Lusofonia. Mas o próximo romance, em estado muito incoativo, será um de profundis, centrado no sofrimento, apesar da gratidão, e no terror, talvez também numa ataraxia, frente ao “abismo hiante”. Será, como sempre na minha ficção, “um colar de pérolas”, como queria Ortega Y Gasset, com um forte fio da história que junta, segurando-as, pérolas/passagens digressivas de reflexão sobre os temas que dão corpo à minha visão do mundo. E em que alguns factos serão como castanhas que, pela imaginação, ficcionadas, passam a castanheiros.

 

 

 

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