Um livro do diabo: para quem tem nostalgia do Céu.

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Ainda não chegou às livrarias. É uma edição dos contos de Eça de Queiroz como nunca viu: diferente e única. Tem um título majestoso: ADÃO E EVA NO PARAÍSO seguido de O SENHOR DIABO e outros contos. Neste livro de 256 páginas reunimos todos os contos que Eça publicou em vida. 

O livro ainda não chegou às livrarias, mas já aqui está, especialmente para os amigos da Guerra e Paz, em pré-lançamento e em condições muito especiais. Mas o meu leitor quer, antes de mais, saber quem é Adão – os leitores da Guerra e Paz querem é contemplar esse Adão que Eça de Queiroz, juntando a sua mão à mão de Deus, faz pela primeira vez descer da árvore e pôr os pés no chão. Eis o Adão, nosso Pai, que Eça nos apresenta:

“E vivo, da vida superior, descido da inconsciência da árvore, Adão caminhou para o Paraíso.
Era medonho. Um pêlo crespo e luzidio cobria todo o seu grosso, maciço corpo, rareando apenas em torno dos cotovelos, dos joelhos rudes, onde o couro aparecia curtido e da cor de cobre fosco. Do achatado, fugidio crânio, vincado de rugas, rompia uma guedelha rala e ruiva, tufando sobre as orelhas agudas. Entre as rombas queixadas, na fenda enorme dos beiços trombudos, estirados em focinho, as presas reluziam, afiadas rijamente para rasgar a febra e esmigalhar o osso. E sob as arcadas sombriamente fundas, que um felpo hirsuto orlava como um silvado orla o arco duma caverna, os olhos redondos, dum amarelo de âmbar, sem cessar se moviam, tremiam, esgazeados de inquietação e de espanto… Não, não era belo, nosso Pai venerável, nessa tarde de Outono, quando Jeová o ajudou com carinho a descer da sua árvore! E todavia, nesses olhos redondos, de fino âmbar, mesmo através do tremor e do espanto, rebrilhava uma superior beleza – a Energia Inteligente que o ia tropegamente levando, sobre as pernas arqueadas, para fora da mata onde passara a sua manhã de longos séculos a pular e a guinchar por cima dos ramos altos.”

É esta prosa, soberba, sedutora, emotiva, que os leitores vão encontrar nos 13 contos deste livro, no originalíssimo Senhor Diabo, na ironia de Singularidades de Uma Rapariga Loura, no cruel José Matias, no messiânico Suave Milagre. É, diz Ana Salgado na nota editorial introdutória, um “livro amorosamente trabalhado”. Peço-vos que não acreditem nem na Ana Salgado, nem em mim. Mas peço-vos que tirem as vossas conclusões depois de lerem as primeiras linhas de O Senhor Diabo:

“Conhecem o Diabo? Não serei eu quem lhes conte a vida dele. E todavia sei de cor a sua legenda trágica, luminosa, celeste, grotesca e suave!
O Diabo é a figura mais dramática da História da Alma.
A sua vida é a grande aventura do Mal. Foi ele que inventou os enfeites que enlanguescem a alma e as armas que ensanguentam o corpo. E todavia em certos momentos da história, o Diabo é o representante imenso do direito humano. Quer a liberdade, a fecundidade, a força, a lei.
É então uma espécie de Pã sinistro, onde rugem as fundas rebeliões da Natureza. Combate o sacerdócio e a virgindade; aconselha ao Cristo que viva e aos místicos que entrem na humanidade.
É incompreensível: tortura os santos, mas defende a Igreja. No século xvi é o maior zelador da colheita dos dízimos.
É envenenador e estrangulador. É impostor, tirano, vaidoso e traidor.
E todavia conspira contra os imperadores da Alemanha: consulta Aristóteles e Santo Agostinho e suplicia Judas que vendeu Cristo, e Bruto que apunhalou César.
O Diabo ao mesmo tempo tem uma tristeza imensa e doce. Tem talvez nostalgia do Céu!”

Até o Diabo se enternece com tanto amor.

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