Autoras da Guerra & Paz na Europa

|
Categoria: Sem categoria
Partilhar:


A Europa descobriu as autoras da Guerra & Paz. Eugénia de Vasconcellos e Dulce Garcia, a poeta de O Quotidiano a Secar em Verso e a romancista de Quando Perdes Tudo Não Tens Pressa de Ir a Lado Nenhum, acabam de ser convidadas para dois acontecimentos literários por dois festivais europeus. 

O romance de Dulce Garcia foi escolhido para representar Portugal na 18.ª edição do Festival do Primeiro Romance de Budapeste, que se realiza de 18 a 22 de Abril, na Hungria. A autora estará também presente nesse evento.

Eugénia de Vasconcellos foi convidada a participar na IX.ª Edição do Festival Internacional de Poesia de Bucareste, que se realiza de 16 a 20 de Maio, na Roménia. Do seu livro, serão traduzidos, para romeno e para inglês, sete poemas , que terão publicação em antologia comemorativa do Festival.

O romance de Dulce Garcia foi saudado pelo Expresso e pela Sábado como um dos romances de 2017, da mesma forma que, quando foi publicado, em 2016, o livro de poemas de Eugénia de Vasconcellos foi saudado por José Mário Silva, no Expresso, como um meteorito que cruzou o céu da poesia portuguesa, tendo recebido comentários elogiosos de Rentes de Carvalho, Yvette K. Centeno e Maria Isabel Barreno, entre outros escritores. 

Tenho a certeza de que, se não os têm já na vossa mesinha de cabeceira, vão correr às livrarias para os adquirirem, mas para reforçar a vossa vontade, permitam-me que vos deixe, dessas obras, um pequeno excerto de cada.

(Foto de Eugénia de Vasconcellos, de Maria João Caetano)

Este é um poema de O Quotidiano a Secar em Verso

DE MIM É O TEU CORPO

Terra sagrada de mim
é o teu corpo
e o meu nosso amor
que trouxemos
para celebrar
à sombra das aves.
Derrama-se o sol
sobre as nossas
varandas mãos estendidas
de agarrar o tempo
e todo o ar do céu
fugido do peito
que o quer respirar.
Dos frutos
que me dás a provar,
o sabor dos dedos,
O mais é nada.

(Foto de Dulce Garcia, de Alexandre Azevedo)

Este é um trecho de Quando Perdes Tudo Não Tens Pressa de Ir a Lado Nenhum

“O Quim tinha um medo do pai que o fez começar a gaguejar lá para os 15 anos. Foi quando o avô lhe trouxe aquela samarra da serra da Estrela, cuja gola o fazia espirrar vezes sem conta quando a vestia. O avô era muito nosso amigo e o Quim nunca perdoou ao pai por se ter zangado com ele no dia em que morreu. Foi claramente culpa do pai, que lhe encheu os ouvidos de mentiras, insinuando que o Quim andava a roubar dinheiro da carteira da avó. Logo o Quim, que era tão poupadinho, que só começou a gastar dinheiro com o tabaco e com o café. De resto, eram só livros e a maioria vinha da biblioteca da menina Alzira. 
No outro dia passou um documentário na televisão sobre o 25 de Abril e vi lá uma senhora que parecia mesmo a menina Alzira. As pernas muito fortes, quase troncos, terminando abruptamente nuns pés elefantescos. O cabelo sustentado numa armação de laca que cheirava a rosas murchas. E aquela voz, jamais esquecerei a voz esganiçada e austera que nunca adoçava, mesmo nos dias de Verão.
Todos tínhamos um certo medo da menina Alzira. Sentimento que, ainda assim, não nos fazia recuar nas patifarias que aprontávamos na sala interior, forrada a estantes, e onde, escondidos em certos recantos, ficávamos fora do alcance da bibliotecária. Se passavam mais de cinco minutos sem nos ver, logo gritava da entrada:
– O que é que estão a fazer?
– Nada – respondíamos em uníssono, e então, como vingança, abríamos um livro ao calhas, quase sempre da prateleira de ficção científica, e  cuspíamos lá para dentro.
Dava-se esta coincidência feliz: não gostávamos de ficção científica – achávamos que era coisa de rapazes – e a ala que lhe estava reservada ficava no canto esquerdo da sala, escondida atrás de uma parede que nos protegia do olhar da velha. Mesmo quando ríamos mais alto, ela não se levantava. Até andar lhe custava com aquelas pernas sempre inchadas e cheias de veias roxas, que vim a saber mais tarde chamarem-se varizes.
Só a víamos mais expedita na procissão, de braço dado com a menina Verónica, uma cinquentona de rabo empinado que trabalhava nos escritórios de uma fábrica de cortiça em Lisboa. A menina Verónica, tal como a menina Alzira e mais metade das mulheres da vila, continuava a merecer o epíteto juvenil por nunca ter casado. Se bem que algumas, já casadas, e até viúvas, também eram meninas – um mistério.”

Artigos mais recentes do Blog:

Seleccione um ponto de entrega