«Pela primeira vez na minha vida, senti-me tratado, absolutamente, como o objecto de um documentário de vida selvagem; é-me difícil esquecer esse momento.» Com uma transparência que roça a candura e um tom por vezes doloroso e auto-irónico, Michel Houllebecq revela em Alguns Meses na Minha Vida toda a canalhice de que ele e a sua mulher foram alvo pela produção do filme pornográfico «Kirac 27» protagonizado por ambos. Neste livro confessional, que agora é publicado em Portugal, o polémico romancista francês fala-nos desse seu pesadelo, que dificilmente esquecerá, e que resulta do conjuro de três personagens: a Barata, a Porca e a Perua. Mas este não é apenas um livro que condena a «pornografia indigna», a chantagem e a perversidade humanas. É também um texto onde Houellebecq esclarece a sua posição em relação ao extremismo islâmico. Penitenciando-se por algumas declarações tontas (expressão sua) que proferiu ao longo do último ano, recusa qualquer responsabilidade de «incitação ao ódio racial». Uma celebração do amor e do belo, Alguns Meses da Minha Vida chega à rede livreira nacional no próximo dia 10 de Outubro, numa edição Guerra e Paz incluída na colecção «Livros Vermelhos». O livro poderá ainda ser adquirido através do site da editora, onde se contra disponível, desde já, em pré-venda.
Quando Michel Houellebecq, fenómeno editorial global, com livros traduzidos em todo o mundo e três adaptações ao cinema, e a sua mulher aceitaram participar num «filme pornográfico», fizeram-no por puro prazer, e com o objectivo de eternizar vestígios da vida sexual do casal para os saborear com ternura quando, como é inescapável, esses actos já não fossem possíveis. Mas esse expectável momento de prazer, partilhado com uma suposta fã, «desejosa de foder um dos seus autores favoritos», viria, subitamente, a converter-se num pesadelo criado por um «pseudo-artista neerlandês» a quem Houellebecq designa por «barata».
A denúncia da má-fé da «barata» e das suas cúmplices «porca» e «perua» em todo o processo de filmagem do filme «Kirak 27» é feita no livro Alguns Meses na Minha Vida, livro que não só descreve as chantagens dos três «monstros», como também nos apresenta uma funda, por vezes dolorosa e auto-irónica reflexão sobre o sexo, a pornografia, o amor, que o autor afirma ser o elemento mais importante da sexualidade.
Este é um livro sem tabus, que fala da beleza e ataca a fealdade de Picasso e de Sade, por exemplo, defendendo a inocência da pornografia, de que Houellebecq queria fazer parte, e rejeitando a «pornografia indigna» que o escritor viria a conhecer da pior forma. «Ao contrário do que eu acreditava, o Onlyfans não era um site gratuito. Os subscritores da performer tinham de pagar, regularmente, para aceder aos seus novos vídeos de sexo. Havia algo nesta forma de funcionar que me repugnou de imediato. […] Prostituta, é o que eu considero uma bela profissão, uma profissão honrada e nobre. Numa prostituta virtual, que não corre nenhum risco, que não traz alegria, que se aproveita da solidão de uns pobres seres que não obterão em troca do pagamento da sua assinatura mais do que uma masturbação solitária em frente ao ecrã, há algo que me repugna.»
No mesmo texto Houellebecq fala ainda de outra grande polémica que marcou o seu último ano, esclarecendo o que realmente pensa da ameaça islâmica em França. Num testemunho sincero, que recusa as acusações de «incitação ao ódio racial», afirma que os franceses têm medo e «não se pensa quando se tem medo». Os franceses «sabem, empiricamente, que os bairros onde os muçulmanos são numerosos são igualmente os bairros em que os delinquentes são numerosos», acrescenta.
Um livro ainda mais polémico de um autor polémico, Alguns Meses da Minha Vida estará disponível, quer na rede livreira nacional, quer no site da Guerra e Paz, a partir do dia 10 de Outubro. Esta é uma edição incluída na colecção «Livros Vermelhos», que privilegia teses contra catecismos e o pensamento único.
Alguns Meses da Minha Vida
Michel Houellebecq
Não Ficção / Testemunho
112 páginas · 15×20,5 · 15,00 €
Nas livrarias a 10 de Outubro
