«Nem mais um anticiclone para os Açores, nem mais um faroleiro para as Berlengas», eis o espírito com que a Guerra e Paz editores me estregou os livros do mês, como se fossem as águas de Março. Com o 25 de Abril à cabeça. O António Costa Santos traz-nos mulheres com véus em igrejas escusas, incendiários isqueiros proibidos, o fascinante segredo de umas pernas sempre jovens e o livro chama-se Antes do 25 de Abril Era Proibido: a capa é muito boa, mas o miolo ainda é melhor.
Há mais 25 de Abril, já lá vou, não sem que antes o André Osório, tão jovem poeta, nos diga, em verso «O tempo sabe a castanhas, a ameixas, / a figos. Quem pode dizer que fora a infância/ um estado idílico?» É um livro de memórias e perigo, Sala de Operações.
Da poesia ao romance, nas Novas Edições de Jorge de Sena publico o seu romance maior, o maior romance do século XX português, Sinais de Fogo, romance de «liberdade inescapável, a liberdade como maldição irredutível», descoberta do sexo, da consciência política, da criação poética: pessoalíssimo 25 de Abril de Jorge de Sena, muito antes de haver 25 de Abril.
E agora um parêntesis americano: Sobreviver a Esta Noite, de Riley Sager, um rapaz de boa escrita que vive em Princeton, leva-nos para os escarpados territórios do thriller, uma geografia de suspense, medo, um humor vertiginoso. E agora surpreendo-vos: Virgílio Castelo, actor e autor português, faz o mesmo, mas com Deus, num romance que têm de ler, Haja Deus, Se Deus Quiser. Deus farta-se e desaparece. Sabem quando? Exactamente no dia em que, falecidíssimo, Fernando Pessoa se apresenta no céu. Livro sério, mas, e será que se pode dizer, de uma ironia celestial.
Não é um romance, mas o historiador militar Fernando Rita, em Heróis Esquecidos da História de Portugal exalta feitos gloriosos, sacrifício e morte no campo de combate de figuras do passado como o besteiro de Atoleiros, o espingardeiro de Toro, e da ainda tão viva guerra de África, como o combatente de Quissonde, em Angola, ou o furriel da estrada maldita, em Moçambique.
Regressam Os Livros Não Se Rendem, com o apoio da Fundação Manuel António Manuel da Mota e da Mota Gestão e Participações. Do filósofo Roger Scruton, o livro que eu gostava que um dia (um dia!) alguém escrevesse sobre Portugal: Inglaterra, Uma Elegia. Nostálgico, sereno, estóico, Scruton enternece-nos com a sua visão do carácter, da cultura, da lei, do governo, da ruralidade, da religião que são próprias dos ingleses: you can’t take England out of the boy. É lindo.
Com o Atlas do Médio Oriente: As Raízes da Violência, um novíssimo e actualíssimo volume dos Atlas da Guerra e Paz, os leitores, levados pela escrita de Pierre Blanc e Jean-Paul Chagnollaud e pelos mapas concebidos por Claire Levasseur ficam a saber por que razão o mundo está tão perigoso.
E eis um olhar português sobre esse mundo: o economista António Rebelo de Sousa escreveu Da Reforma do Capitalismo, um ensaio que combina teoria económica com antropologia, história e geografia, confrontando-se com outras grandes teses, como as de Thomas Piketty, por exemplo. Quem não quer espreitar o futuro?
Ora, foi no 25 de Abril de 1974 que começou o nosso futuro. E eu atrevo-me a dizer que a Guerra e Paz tem o mais desempoeirado, livre, desabrido e divertido livro para comemorar os 50 anos dessa imensa explosão. Com organização e umas prosas deste vosso fraco escriba (Manuel S. Fonseca, sim senhor) e com excelentíssimas e irreverentíssimas ilustrações do mestre da BD, Nuno Saraiva, 25 de Abril: No Princípio Era o Verbo é um livro para se ver, passar a mão pela quadricromia, e recitar página a página em impetuosa gritaria: estão no livro centenas de frases que, em Abril e no PREC, nesse cataclísmico Verão Quente de 1975, se entoaram nas ruas, se escreveram nas paredes, ou decoraram cartazes. De «Cada voto na AOC é uma espinha cravada na garganta do Cunhal» a «Força, força, Companheiro Vasco, nós seremos a muralha de aço», passando por «Abaixo a foice e o martelo, Viva o Black and Decker» ou «Viva a dentadura do proletariado» e ainda «Viva o próximo governo que este já tomou posse», do fanatismo à irrisão, da nobre militância à desbragada anarquia (e lembro o slogan «Anarquia, sim, mas não tanto» que os espantados e despeitados anarcas escreveram então nas paredes de Portugal) este é o livro que nos faz hoje pensar como foi possível, há 50 anos, este Big Bang português! Quem se atreve a não comprar este livro? Ricos de Portugal, comprem o livro nacional! E ricos somos todos. De espírito, acima de tudo!
Falei de águas de Março. Ora aqui estão dois livros com que queremos regar e acarinhar a nova chancela, a Crisântemo. De chrysanthèmes en chrysanthèmes, já cantava Jacques Brel, e o primeiro crisântemo é da psicóloga e psicoterapeuta Sílvia Coutinho: com O Poder da Relação um livro que talvez nos lembre o que tantas vezes esquecemos, como amar.
Um crisântemo francês para acabar. A polémica Caroline Goldman, doutorada em psicopatologia clínica, convida-nos a ler o seu As Crianças Precisam de Limites (bestseller mundial, pedem-me que acrescente), um livro que faz em fanicos alguns preconceitos da chamada parentalidade positiva. As Crianças Precisam de Limites tem uma missão nobre: aliviar o sofrimento das crianças perdidas e impotentes face ao caos de um mundo sem balizas. E aliviar o sofrimento dos pais, também.
Manuel S. Fonseca, editor