No Natal voltamos a ser crianças, somos destemidos como o Dom Quixote de La Mancha e traquinas como a pequena Sofia da Condessa de Ségur e encaramos os pesadelos com o sorriso de Vera Gomes.
No Natal sentimos o colo da nossa mãe, como se nunca tivéssemos chegado à puberdade. No Natal ouvimos o nosso pai a contar os perigos que correu quando era um rapaz novo.
Na fritadeira o óleo grita: já a avó sabia, aguardando os petiscos à portuguesa que não tardam a ser cozinhados compaixão.
No Natal nem mesmo o mais agnóstico odeia ou menos preza Cristo. No Natal insultamos amorosamente os primos, os irmãos, os vizinhos, os amigos.
No Natal descemos os sete degraus até à sala de jantar e enchemos a alma com a poesia das luzes, cheiros e cores da consoada.
No Natal sentimos o saudosismo pelos cães que marcaram as nossas vidas e partiram demasiado cedo, perdendo mais um ano de cheiro a canela.
No Natal provocamos naufrágios num mar de bom tinto, e as gargalhadas dizem adeus às lágrimas, senhor!
Meus caros, não temam os modernismos, no Natal toda a família bate bué! Porque é à mesa que o mundo avança e as grandes invenções são criadas.
Mas também há espaço para temas sérios e até Heidegger, Krause, Marx, Serres e Scruton se sentam para a discussão.
No Natal não falta à mesa o que é nacional e é muito bom, os clássicos discursos do avô e as loucas histórias do tio.
No Natal não falta um livro Guerra e Paz, como não falta um livro Guerra e Paz em mais época alguma do ano. Afinal as melhores leituras acompanham-nos durante todo o ano.